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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Livro 'Pulmão de Aço' de Eliana Zagui e as "ofertas" nanotecnológicas

Por: André Luiz Aguiar*


Pulmão de Aço

Uma Vida no Maior 
Hospital do Brasil
 1a. edição, 2012

Terminei de ler um livro recentemente cujo título encontra-se acima referido na chamada, mas que não custa repetir: Pulmão de Aço: Uma vida no maior hospital do Brasilautora Eliana Zagui.

Além do meu contentamento e incentivo para que você leia o que Eliana tem para nos contar, ressalto algo que parece muitas vezes desapercebido quando nos deparamos com um livro: como este autor escreveu isto?

A pergunta é literal mesmo; de que forma aquelas palavras contidas no livro apresentaram?

E aqui está a maravilha desta espetacular biografia: cada letra, vírgula, acento, palavra foi realizada com a BOCA.

Isto mesmo, Eliana Zagui escreveu seu livro com a BOCA.

O inusitado não advém de um interesse mercadológico ou qualquer coisa semelhante, mas por uma condição física que a acomete desde tenra idade.



Eliana Zagui
Fonte: 
www.apbp.com.br/elianazagui/fotos.htm
Por volta dos dois anos de idade contraíra poliomielite (paralisia infantil); surto que avassalara o Brasil nas décadas de 1970 e 1980 e que a levou a ficar toda a sua vida no leito de um dos maiores hospitais do Brasil, o Hospital das Clínicas de São Paulo, especificadamente no Instituto de Ortopedia e Traumatologia - IOT. Vale lembrar que em 31 de julho passado o  IOT completou 59 anos, quando tinha por função precípua a de receber pacientes com Poliomielite Anterior Aguda, em fase de comprometimento respiratório. 


Paulo H.M.
E até hoje, aos 38 anos de idade, Eliana continua no leito deste hospital -- paralisada do pescoço para baixo, vivendo 24 horas por dia por meio de um respirador artificial, isto é,  ela está mais da metade do tempo da existência do referido instituto. Olhando para cima -- com os olhos para o Alto --, juntamente com seu amigo Paulo Henrique Machado, o qual acabou se tornando seu grande irmão.


Atualmente ela escreve, pinta, tecla no computador e colori, tudo com a boca; às vezes a tela de um quadro ou alguns artesanatos, mas muitas vezes dá matizes à nossa vida.

Mesmo "presa" à cama hospitalar, sonha alto, com desejos e aspirações que virão a se concretizar brevemente.
Hospital Rancho Los Amigos Respiratory Center, o maior centro de tratamento respiratório para casos de pólio do mundo na década de 1950, próximo a Los Angeles: pulmões de aço resultaram na criação das UTIs
Centro de tratamento respiratório para casos 
de pólio do mundo na década de 1950
Fonte: Folha SP:
Saiba o que é um pulmão de aço

A sua condição excepcional é acrescida de uma raridade que a poliomielite lhe vindicou, uma vez que a sua vida já era para ter sido encerrada há anos, haja vista que a doença debilitou sua musculatura, destruindo os neurônios motores e provocando paralisia flácida nos membros inferiores. Assim, ela teve afetado, além dos pés até o pescoço, também o diafragma. O que acabou prejudicando drasticamente sua capacidade respiratória. Teve de passar pelo Pulmão de aço, aparelho  que tem a função de expansão da caixa torácica a fim de permitir a entrada do ar, muito usado para tratar insuficiência respiratória severa. Foi criado por Philip Drinker na década de 1920.

O tal Pulmão de aço não surtiu os efeitos esperados em Eliana, a qual teve de viver diariamente num respirador artificial -- traqueostomizada. 

Por ser oriunda do interior de São Paulo, da cidade de Guariba, nascida em 23/03/1974, não havia recursos nos hospitais da região, tendo, portanto, que "residir" no HC de São Paulo, pois ele era um dos únicos na época a ter capacidade de tratá-la e dar suporte necessário. 

Foi lá no HC que ela passou -- e ainda passa -- a sua vida. Vendo amigos da época chegarem e partirem, vendo enfermeiros, residentes, médicos e demais transeuntes. Alguns marcaram positivamente sua vida, outros não. Muitos deixaram marcas que foram balizando e transformando sua vida . Dentre estas, uma que possivelmente a "adotará" e que fora responsável por um dos passeios que ela pôde fazer para desbravar o mundo fora do hospital.

Todos estes detalhes eu deixo para que você leia diretamente da fonte -- da boca de Eliana, literalmente.
Eliana, nos anos 70, maquiada para a festa junina do hospital e Eliana, hoje, aos 38 anos, após concluir o livro sobre a vida passada numa UTI (Foto: Arquivo Pessoal e Belaletra Editora / Divulgação)
Eliana, nos anos 70, maquiada para a festa junina do hospital e Eliana, hoje, aos 38 anos, após concluir o livro sobre a vida passada numa UTI
(Foto: Arquivo pessoal e Belaletra Editora / Divulgação)
Fonte: Época

Uma das coisas que mais marca uma pessoa que fica tanto tempo num leito -- e que fora um dos motivos que me motivou a escrever esse texto e relacioná-lo à nanotecnologia -- são as visitas: de parentes, de amigos, de conhecidos, de amigo de amigos, de famoso, de desconhecidos, etc.

Eliana relata que os pacientes ficam tão suscetíveis que se apegam a qualquer um que os visitem e que demonstre o mínimo de carinho. 
E é aqui que reside o percalço, pois os visitantes muitas vezes retornam uma ou duas vezes, sobretudo parentes, mas a maioria os esquece. Eles vem, passam, deixam marcas, criam esperanças, expectativas, anseios, sonhos, mas depois somem, desaparecem.

Numa mesma intensidade de amor oferecido é a saudade que acabam deixando. E aí o sentimento de desamparo, desânimo e depressão avassalam os acamados.

A autora presencia muitos destes ambivalentes sentimentos, todavia, se apega aos que a torna especial e que a faz olhar adiante -- para cima.

A partir deste ponto é que penso na nanotecnologia e correlaciono àqueles que estão nos hospitais, asilos, manicômios, orfanatos e afins e faço o seguinte questionamento: até que ponto a chamada Era Nanotecnológica e suas "ofertas" será capaz de suprir estes desvalidos e esquecidos?

Cada dia mais eu venho publicando no blog os mais variados produtos nanotecnológicos. Na área médica são muitos: nanovacinas; nanocápsulas que carregam medicamentos por meio de uma pílula diretamente ao local da doença; nanotecidos para uso hospitalar; roupas com nanoprata para evitar contaminações; leitos com nanopartículas para facilitar a limpeza e combater as possíveis escaras; bancadas com nano para impedir infecções; e por aí vai...

São centenas e centenas de nanoprodutos no mercado. Pululam as prateleiras aos mil. Prometem curas e milagres à filme de ficção científica. Ensejam expectativas mil e cura das mazelas humanas. Porém, destas ofertas nanotecnológicas quais delas efetivamente chegou para Eliana Zagui e/ou para tantos outros enfermos e excluídos?

Ainda que tenha chegado para o HC de SP os mais modernos engendramentos da nanomedicina -- incluo vacinas, aparelhos, metodologias, técnicas, recursos humanos, nanocápsulas, nanofiltros, nanopratas e outros nanodesenvolvimentos -- quais desdes puderam suplantar as carências de amor nos infindos dias e noites acostados num leito hospitalar?

Costumo dizer que a nanotecnologia poderia ser a primeira desenvolvida no seio do capitalismo e que visasse o social e que desse condições iguais a todos -- de acesso, custos e facilidades --, entretanto, não é o que vemos. Além de não ser todos os que de fato se beneficiarão da Era Nano, qual é a nanotecnologia que poderá acalentar na cama hospitalar em que residem Eliana Zagui, Paulo, Marias e Joões?

Qual nanotecnologia poderá substituir o amor?

Talvez Eliana quisesse trocar a sua condição física atual por uma outra pessoa "normal", ou mesmo que a nanotecnologia curasse as suas enfermidades. Mas creio que ela jamais trocaria o amor recebido por pessoas que a marcaram por essa revolução nanotecnológica. Afinal, nano não ama nem pode amar a ninguém, pois quem os faz são as pessoas.

Pode a nanotecnologia contar histórias para as pequenas Elianas ninarem enquanto esperam a próxima injeção medicamentosa em seus leitos? Pode ela acariciar a mão de uma colega de quarto quando a tristeza aperta o coração? Pode acalmar a alma dos que sozinhos varam as noites sem ter alguém para conversar, rir e chorar? Pode conquistar amigos e torná-los irmãos?

Em síntese: pode a nanotecnologia amar e se lembrar dos desamparados?

Se Eliana Zagui estivesse lendo e pudesse responder, creio que seria negativa a resposta.

Necessitamos de cautela nestes dias onde a ciência quer prometer curas maravilhosas e muitas vezes desejadas. Ela, a ciência, esquece que pessoas vivem e precisam de amor, além de suas engenhosidades.

Dedico este texto a você Eliana Zagui pela persistência, coragem, ousadia e amor com que leva sua vida -- na horizontal. Saiba que seu livro me entusiasmou e inspirou. Creio que para aqueles que tiverem acesso ao seu livro e história não será diferente.
Parabéns e obrigado por sonhar alto, o que possibilitou que seu livro fosse escrito e que muitos saiam das tristezas da vida e passem a amar uns aos outros.

Eliana Zagui
Fonte: Folha SP

 




* André Luiz Aguiar: advogado formado pela
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR), pesquisador e consultor
em Nanotecnologias e regulamentação