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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Como a Ciência entra pela boca

Por: Rogério Mascia Silveira

Pesquisa desenvolvida com apoio da Fapesp chega à produção de um tipo de pino que representa avanço na área dentária 



Cientistas do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp), ajudaram a empresa paranaense Angelus a produzir um pino odontológico inovador. Trata-se de um composto translúcido, com propriedades inéditas, como impedir contaminações e “endurecer” cimentos e resinas em menos de 10 segundos.


O pino odontológico é um composto vitrocerâmico. Surgiu como desdobramento da tese de doutorado do químico-físico Valdemir dos Santos, defendida em 2011 na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Neste trabalho, iniciado em 2007, e ao longo de sua vida acadêmica, o pesquisador foi orientado pelo professor Élson Longo, docente do Instituto de Química (IQ), da Unesp, e diretor do CMDMC, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp. Atualmente, Valdemir é pesquisador júnior da Angelus. E seu trabalho conjunto com os cientistas do CMDMC permitiu também a criação de uma embalagem “inteligente” para o pino, com propriedades antimicrobianas. 

A parceria rendeu patentes no Brasil e exterior. Hoje, o pino odontológico é carro-chefe de vendas da empresa e tem preço equivalente aos materiais convencionais.

A caixa com cinco unidades do produto custa, em média, R$ 80. O conjunto pode ser encontrado em revendedores nacionais de material odontológico e em mais 80 países para onde é exportado.

Resistente e biocompatível – O pino é material de uso comum na odontologia. Sua função primordial é oferecer resistência mecânica, atuar como “alicerce” na estrutura dental para sustentar outro material, como obturação ou implante. Tem também por finalidade reter material restaurador definitivo ou seu núcleo de preenchimento, e o ideal é que não seja nem mais mole nem mais duro que o dente. Na versão convencional, o pino é produzido à base de metal (aço inox, zircônio ou titânio) e pode trazer problemas colaterais, como oxidar, esquentar e sofrer corrosão. 

Já o desenvolvido no CMDMC é mais resistente, biocompatível e tem como diferencial a luminescência – capacidade de ser “atravessado” pela luz. Tem na composição 80% de fibra de vidro e 20% de resina epóxi, além de ser revestido com nanopartículas de prata e de molibdatos de cálcio e de sódio.

Depois da colocação do pino, o dentista usa o raio ultravioleta (luz azul) para endurecer o cimento. Neste processo, é liberado molibdênio, metal essencial no metabolismo de micro-organismos, como fungos e bactérias A passagem da luz tem duas finalidades: endurecer cimento ou resina e atrair os micróbios, envenenados pela prata e eliminados em menos de 10 segundos. “A cura do dente vem com a luz”, explica Valdemir. O pesquisador cita também outros aspectos positivos da tecnologia multifuncional para dentistas e clientes. 

Por ser antigerme, o pino odontológico previne retrabalhos no consultório causados por contaminações. E para o paciente, o processo fica mais rápido. Há menos intervenções em sua boca, muitas delas dolorosas, como tratamento de canal, obturação, implantes, etc

Armadilha invisívelO desenvolvimento da “nanoarmadilha” teve a colaboração do químico Diogo Volanti, pro fessor colaborador do IQ-Unesp. Sob a supervisão do professor Élson Longo, foi desenvolvida a morfologia ideal para a estrutura dos nanocomponentes, como os molibdatos incorporados na composição do pino odontológico – os testes foram feitos nos fornos micro-ondas adaptados do instituto.

Satisfeito com o resultado, Élson Longo des taca as novas possibilidades de síntese de materiais abertas a partir da pesquisa com sistemas de fotoluminescência, fruto de décadas de trabalho coletivo. Ele enfatiza o envolvimento de duas dezenas de profissionais e cientistas para solucionar desafios de biologia, microscopia, micro-ondas, composição química, física, materiais, luminescência, odontologia, entre outros. 

Diogo faz eco às palavras do professor Élson Longo. Para a dupla de pesquisadores, as universidades públicas cumprem seu papel na área da pesquisa e “seguem abertas à indústria e à sociedade, para inovar sempre, apostando na ciência brasileira como fator chave para o desenvolvimento do País”.