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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Picotecnologia ou Nanotecnologia?

Por: André Luiz Aguiar*

Que tal um xampu Plancktechnology?




O que gostaria de refletir aqui é o uso do termo PICOTECNOLOGIA como sendo uma "evolução da NANOTECNOLOGIA". [1]



Não faz muito tempo, assisti ao comercial de um produto para cabelos  shampoo, condicionador e afins  que afirmava usar a tecnologia do PICÔMETRO (unidade de medida que equivale a 10-12 m, ou seja, 1 trilhão do metro, ou mesmo uma distância aproximadamente 100 vezes menor que o diâmetro de um átomo).


A propaganda veicula a nova linha Keratinology by Seda, uma das marcas da multinacional Unilever.

Veja o vídeo em português.
Veja aqui


É ressaltado que essa "nova tecnologia" utiliza-se do estado da arte da PICOTECNOLOGIA e reforça que ela é "MIL VEZES MENOR QUE A NANO".

No site da empresa, encontra-se:
"Keratinology é a primeira marca a utilizar em 100% de sua linha o poder da Pico Technology™. Pico significa partículas mil vezes menores que as Nano. Por serem tão pequenas, essas partículas penetram fácil e profundamente no córtex dos fios do cabelo, para nutrir e reconstruir intensamente as fibras danificadas. Pode-se dizer que essa nova tecnologia “funciona como uma plástica para os fios” e torna os cabelos saudáveis e bonitos..."


Para você entender o tamanho, conforme o Sistema Internacional de Unidades (SI):


       NOME                       SÍMBOLO               FATOR DE MULTIPLICAÇÃO DA UNIDADE  
nano
n
           10-9 = 0,000 000 001
pico
p 
                                                                                     10-12 = 0,000 000 000 001


É fato que encontramos cada vez mais produtos disponíveis ao consumidor que afirmam utilizar tecnologias emergentes cujas propriedades -- em tese -- reforçam, realçam, melhoram, amplificam, exponenciam, valoram, potencializam, etc  tal produto; seja ele um cosmético ou uma roupa espacial.

No que diz respeito aos Nanoprodutos, encontramos cada vez mais e mais deles acessíveis aos consumidores. E no campo da higiene, perfumaria e cosméticos, a Nanotecnologia tem sido elevada como 'a tecnologia' promissora para o desenvolvimento da indústria.


Veja aqui
Existem grupos no mundo, preocupados com a quantidade desses Nanoprodutos no mercado consumidor, que listam quais já estão à disposição dos usuários. 

Um desses grupos é o Projeto de Nanotecnologias Emergentes (PEN) que faz um inventário, não exaustivo, sobre os vários nanoprodutos que estão sendo oferecidos aos consumidores. Já listaram quase 1850 produtos. Ressaltando que esse banco de dados apenas lista aqueles que declaram abertamente usar nanotecnologia.


Também há um banco de dados (Nanodatabasen), alimentado pelo Conselho de Consumidores dinamarquês (Tænk forbrugerrådet - The Danish Consumer Council), que já catalogou, até a presente data, 1236 nanoprodutos disponíveis nas lojas dos dinamarqueses bem como na internet.
Veja aqui


Até a presente data, não há -- que eu saiba -- qualquer banco de dados de nanoprodutos oferecidos e disponíveis aos consumidores brasileiros.

E como a tendência é de 'progressão geométrica' dos nanoprodutos, seria necessário e interessante haver algum banco de dados para o conhecimento e averiguação, respeitando assim o direito garantido na Constituição e no Código de Defesa dos Consumidores de informação adequada e clara!

Nanoprodutos - cosméticos brasileiros


Aqui, na terrae brasilis (Brasil), já podemos encontrar muitos produtos que afirmam usar a Nanotecnologia. 

Mencionar todos os projetos, empresas, indústrias e produtos que empregam Nanotecnologia ocuparia mais espaço que o razoável para este texto. 


Portanto, demonstro alguns, sem o pretexto de exaurir os muitos outros nanocosméticos que já existem no mercado brasileiro, como esmaltes de unhas, maquiagens, tratamento para acnes e espinhas, produtos contra olheiras, contra celulites, etc.

O Boticário - Linha Active
É o caso do O Boticário com a sua linha Active (preparação da pele, antissinais e tratamentos específicos) que utiliza a nanotecnologia como mote para desenvolvimento de seus cosméticos.


Afirmam até que ultrapassaram a simples nanotecnologia ("até as camadas internas da pele") para a tripla nanotecnologia ("ingredientes ativos penetrem nas camadas da pele de forma direcionada"), isto através dos produtos advindos do Active Dermato Nanoserum Elixir
   
Vejam o vídeo a respeito da tripla nanotecnologia.


Veja aqui

Sem falar nos produtos para preparação da pele e os antissinais avançados que também podem fazer uso desse expediente nanotecnológico.



Outra empresa que lida com Nano é a porto-alegrense Inventiva que dá ênfase à inovação aos nanocosméticos, produzindo insumos para a indústria cosmética e farmácias de manipulação do Brasil e agora para a França e, por conseguinte, toda a Europa.

Encontramos desde produtos para o corpo, rosto, cabelos e unhas.

Para o corpo o Nano Hydrate que utiliza óleos vegetais aliados à nanotecnologia. Já para o rosto, existe o NanoAging Reverse que usa uma mistura de nanopartículas (coenzima Q10, vitamina A, vitamina E, semente de uva e linhaça) para combater o envelhecimento cutâneo. E para  os cabelos há o NanoVit Hair que em sua formulação contém nanopartículas de queratina hidrolisada.   

Veja abaixo o vídeo da empresa sobre Nanotecnologia em Cosméticos.   
Veja o aqui.


Como disse, não é minha intenção abordar e falar de todos os Nanocosméticos existentes no mercado brasileiro e feito por empresas nacionais, mas tão só mostrar que já é corriqueiro encontrá-los nas prateleiras-nossas-de-cada-dia.

E o prognóstico é que cada vez mais encontremos outros tantos nanoprodutos. Muitas vezes sem o saber -- como relatei aqui em "NanoProdutos sempre à mão: só que eu não sabia!"


E a Picotecnologia com isso?


Agora, você consumidor deve estar lendo e pensando: e o que eu tenho a ver com isso, ou que benefícios essa tal de Picotenologia pode me trazer?

Foi nesse ponto que eu quis chegar até então.

Quando eu vi a propaganda da Picotecnologia referida acima, pensei como possível consumidor: o que isso trará de benefícios para os meus cabelos? 
Especificadamente os cabelos devido ao objetivo da propaganda. Mas poderia muito bem ser Picotecnologia para cílios, unhas, antissinais, celulites, enfim, os mesmos exemplos ditos sobre a Nanotecnologia.

Quando você vê uma propaganda como aquela, deveria ser natural parar e pensar: qual o objetivo dessa "nova tecnologia" picotecnológica?

Como os consumidores não são levados a tal reflexão na hora de adquirir um produto, logo, a veiculação de ser "Picotecnológico mil vezes menor que Nano" é basicamente para atrair a atenção e fazer com que adquiram tal produto pensando estar levando um que dá e garante eficiência mil vezes maior que Nano.

Se assim fosse, então produtos da Femtotecnologia (10-15), da Attotecnologia (10-18), da Zeptotecnologia (10-21) ou da                    Yoctotecnologia (10-24) cada um teria a sua "potencialidade" penetrante e eficaz cada vez maior? 


Assim, por uma questão de mercado, ao invés de se veicular que seu produto contém Picotecnologia, por que já não dizer que possui Yoctotecnologia, ou mesmo -- para chutar o pau da barraca de uma vez -- dizer que contém tecnologia do Comprimento de Plank!?

Já que não precisa provar que efetivamente contém Nano ou contém Pico, logo, vale tudo para dizer que o produto é tão pequeno que vai transformar você num consumidor feliz e saltitante!

Então, uma dica de marketing para as empresas: 
"esse produto Contém Plancktechnology"  (nome bonito e em inglês pra ficar chamativo, algo como 16.162 × 10-36 m). 

Que tal? 

Ou em bom português: 
Novo Xampu da Vovó, Contém Plancktecnologia que vai fazer o seu cabelo estar além das Luzes das Estrelas e conquistar qualquer extraterrestre!

Só não vá se perder no espaço viu! E se por acaso encontrar lá no multiverso um cabelo igual ao teu, aí então teremos que pensar em uma nova linha de produtos para sua cuca! 


Brincadeiras à parte, é basicamente isso que me propus a levar você a pensar: o fato de ter picotecnologia ou nanotecnologia é realmente um benefício ou apenas é um mecanismo mercadológico para que mais e mais produtos "inovadores" sejam adquiridos?

Pensemos assim: se um produto é mil vezes, dez mil ou um zirilhão de vezes melhor que o produto "original", logo, matematicamente, você não precisará mais dele, uma vez que ele foi tão "eficaz, penetrante e benfeitor" que a necessidade de usá-lo será eliminada em si mesmo.

Portanto, se Picotecnologia é mil vezes menor que Nano, logo eu não precisarei desse Picoprotudo tão cedo, já que ele foi mais eficiente que Nano -- ora pois!.[2]     

Para encerrar, deixo no ar uma pergunta: nessa propaganda não haveria uma quebra dos direitos do consumidor? Veja o que o Código do Consumidor (Lei 8.078 de 1990) diz:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
        I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
        II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
       III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem
        IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; [grifei].


*André Luiz Aguiar: advogado formado pela 
Pontifícia Universidade Católica do 
Paraná (PUC-PR), OAB-PR 60.581,
pesquisador e consultor 
em
Nanotecnologias e regulamentação 


[1] Um alerta: aqui não pretendo mencionar todos os produtos no mercado consumidor que afirmam usar a picotecnologia, pois não é o meu foco. Mas sim relatar o que assisti em tal comercial e analisar, como consultor e pesquisador em Nanotecnologias, o que tal propaganda quis me passar/oferecer quando da sua veiculação e quais os mecanismos para isso. Nem mesmo é meu intuito, com a transmissão de tais vídeos, fazer propaganda dos produtos. Eles servem apenas para ilustrar e melhor compreender.  

[2] Nem cogitei falar nos Picoriscos (PicoHazards) ou demais percalços advindos nessa Picotecnologia, já que elas são incipientes e abarcariam os temas já trazidos (com os conhecimentos atuais do estado da arte) pelos Nanoriscos (NanoHazards). Mas fique registrado que, se já há declarações de Nanoriscos, por conseguinte PicoriscosFemtoriscos (FemtoHazards), Attoriscos (AttoHazards),  Zeptoriscos (ZeptoHazards), Yoctoriscos (YoctoHazards), ou Plankriscos (PlankHazards) ocorrerão. 
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